Hulk lançou o último grito, que marca a longa jornada do F.C. Porto, do relvado do Estádio da Luz, molhado e escuro, à varanda de um Estádio do Dragão dedicado às insónias. Às 4 da manhã, 4 de Abril de 2011, o Incrível puxou pelas gargantas de cinco mil resistentes: «Campeões sem luz!»
O megafone passou de mãos em mãos, num quarto-de-hora interminável. Lá no alto, jogadores alinhados, eufóricos, observando a multidão ofegante, ansiosa por aquele momento. A despedida encarnada, com focos apagados e rega activa, aumentou o sentimento de júbilo.
A Baixa do Porto desistiu primeiro, esvaziou-se de sentido com a Câmara teimosamente fechada e ecos de concentração no Dragão. O F.C. Porto partiu de Lisboa à meia-noite, véspera de dia de trabalho. Os resistentes, com atestados pensados e olheiras em perspectiva, rumaram à alameda que reúne todo o fluxo azul e branco.
A madrugada foi assim:
2h30. Duzentas almas, não mais, no centro da cidade. Copos pelo chão, vestígios de festa rija, corpos rendidos ao cansaço. Entre dois berros, a doce recordação. «O Benfica tentou o mesmo no ano passado. Falhou. Nós conseguimos!»
3h00. Cinco mil na Alameda do Dragão, ao som de músicas da moda e notícias de chegada em breve. A comitiva estava cada vez mais perto. Hulk, Falcao, Guarín, Villas-Boas, Pinto da Costa, vários nomes para repetir a filhos e neto, quando aqueles adeptos recordarem o dia em que o F.C. Porto foi campeão na Luz. Passar-se-ão outros 71 anos?
3h30. O autocarro está aí. Hulk na frente, ao lado de Reinaldo Teles. O 1-2 foi dele, castigo máximo para os três pontos, os últimos de um líder invicto. Roberto ajudara Guarín no primeiro. «Roberto, Roberto, Roberto», gritaram os dragões, parecendo evocar um dos seus.
4h00. F.C. Porto no seu trono, uma varanda com vista para a alegria da massa humana, campeões saudados individualmente, com cânticos personalizados, que os próprios já sabem de cor. Pinto da Costa ouve o seu nome. Acena. Ganhou a aposta. A aposta em Villas-Boas.
4h05. O jovem treinador aparece lá no meio, entre o seu grupo. A rouquidão é mais forte que nunca. Estreou-se a vencer, no seu clube do coração. Como Robson, como Mourinho, as referências do passado.
4h06. André Villas-Boas não resiste. A despedida do Benfica serve de álibi aos excessos. «Allez, Porto, allez, nós somos a tua voz, queremos essa vitória, conquista-a por nós». Ele conquistou. E provocou. «E quem não salta é lampião, allez, allez», atirou o treinador, de fugida, levando a multidão ao rubro.
4h10. É a vez de Hulk. Ele, que dedicara o golo a Sapunaru, os dois réus do túnel da Luz, na última visita. Primeiro, o grito da noite: «Campeões na Luz». Depois, a adaptação livre, a gargalhada em forma de cântico: «Ohhh, campeões sem luz, campeões sem luz, campeões sem luz...»
4h15. A festa foi curta. Quinta-feira já chama, a Liga Europa está aí. Para muitos dos indefectíveis, é baixa garantida, patrões irados pela ausência, um pecado admissível. Cristian Rodriguez fecha o cortejo, quando o grupo regressa ao interior do Dragão. Nos seus braços, um cartaz enorme, afiando o machado de guerra: «Assinei pelo F.C. Porto em cinco minutos».
A noite prolongou-se até ao anúncio do amanhecer. Na Invicta que não dormiu, ele será pesado mas saboroso. O F.C. Porto recuperou o ceptro nacional, foi buscá-lo à casa do histórico rival. Quem esteve lá, vai contar a história para o resto da vida.
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